Carro céu



Tenho conflitos dentro de mim. Imensos. Como o oceano que existe dentro dos lagos. Eles parecem profundos, intensos. Falo dos conflitos, mas também poderia ser dos oceanos. Eles me fazem questionar muito e talvez me acobertam do que realmente importa. Não sei se você consegue entender, mas aqui vai um de exemplo. Parque de diversões. Eles me intrigam. Sempre me intrigaram. É como se eles mudassem conforme o tempo passa, mesmo contendo os mesmos brinquedos de sempre. Antes, eles pareciam carregar uma mágica intangível e invasora. Era só pôr os pés naquele espaço encantado que o resto do mundo desaparecia, desimportava. Só havia o parque. Aquele imenso e maravilhoso parque. O mundo era sorrisos, alegria, possibilidades, magia. Isso! O mundo era magia. Uma magia antiga, poderosa e intensa. Esse tipo de magia que transforma vidas e que era real naquele tempo. Esse tempo de que falo era a muito anos atrás. Agora, ao pôr os pés no parque só vejo um leve brilho, algo fraco e muito sutil, um resquício de toda aquela magia. É como se ali houvesse uma trilha que eu não consigo encontrar. Eu vejo alguns indícios daquele caminho, mas não tenho mapa, nem direção, muito menos destino. Eu nunca tive o mapa, nem quando criança, e mesmo assim conseguia percorrer aquele mundo mágico e colorido. Eu já não encontro essa magia. Não entendo por que não alcanço aquele mesmo lugar de tempos atrás. Não sou mais permitido. Parece que a magia é inversamente proporcional ao tempo de vida. Quanto menos idade, mais magia. Olha o carrossel por exemplo. Um dos meus brinquedos favoritos na infância. Havia um encanto em cada brilho daquelas lâmpadas coloridas. O seu infindável caminho circular parecia seguir para além do mundo. Era um cavalgar que alçava voo nos sonhos, no imaginário, no indescritível. Eu, criança, me via além do brinquedo simples que eu estava. Isso também foi a muito tempo atrás. Agora, só vejo criaturas velhas e corroídas pelo tempo. O mesmo brilho das luzes, que antes me hipnotizavam, agora não transmite encanto algum. É só um conjunto de tralhas que um dia foi novo e que se move pelo simples fato de se mover. Será que sempre foi assim? Será que isso acontece com outras coisas? Por exemplo, relacionamentos. Será que somos parque de diversões de alguém? E se toda a magia do início for inversamente proporcional ao nível de tempo compartilhado? Será que somos carrossel? Giramos sempre no mesmo lugar? Essas serão as perguntas que importam ou o parque é mais importante? Começo a questionar meus próprios questionamentos... Me apoio no pouco que sei. Sei que o tempo atinge a todos e a tudo. Sei que o parque não é mais o mesmo. Sei que eu não sou mais o mesmo. Sei que a magia existe. Sei que é impossível seguir em frente sem sair do lugar. Sei que não sou mais carrossel. Sei que cavalgo em busca do mágico caminho para um mundo maravilhoso. Sei que um dia eu chego lá.

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