Esconde-esconde


Para quem nunca o tinha visto andar para casa, o homem não parecia nada de diferente. Seu passo habitual não revelava nada de si, apenas era. Apenas compasso. Apenas uma caminhada.

Quem já o conhecia (poucos, mas existentes), sabia que aquele era um dia especial. Sabia que no leve balanço de sua cabeça estavam todas as maravilhas que o olhar humano consegue captar. Que nas delicadezas de si, ele transpirava vida. Que aquela simples caminhada era mais do que ele jamais foi. Ela em si não era nada, mas era tudo. Ela tornava real e visível, mesmo que para poucos, o transbordar de vida que ele se tornou.

Tudo graças a ela. Ao momento em que um beijo louco tornou o inimaginável possível.

Ele, bruto, metódico, concreto, pesado, responsável e limitado. Ela, delicada, imprevisível, abstrata, suave, insensata e infinita. Pessoas tão distantes em personalidades, se tornando tão próximas, ligadas pelos lábios, pelos olhos fechados, por um toque de mãos, por um momento impossível, mas real e acontecido.

Ele era como era pela vida que tivera. Mesmo atrás de toda a sua limitação à vida normal e chata, havia detalhes que escapavam ao olho comum. Detalhes tão normais que não eram importantes, pois eram o que todos deviam ter. Gentileza, bondade, caridade, generosidade. Tudo isso havia nele. Detalhes cotidianos que se escondiam aos olhos comuns. Mas não ao olho dela.

Ela o percebia como uma criança criada numa caixa. Ou melhor, uma criança num eterno jogo de esconde-esconde dentro de um jardim cinza. Ele se mostrava para logo se esconder. A criança linda, louca e reluzente aparecia para a vida e depois de um brilho leve e rápido se perdia novamente no jardim cinza que era ele. E só ela via. Era um segredo só seu. E isso tornava ele só dela, pois só à ela que isso importava, já que o resto do mundo fazia questão de ignorar.

Havia algo entre eles que não podia ser descrito com precisão. Que só interessava aos dois. Ela trazia um vento fresco cheio de cor e vida para o jardim cinza dele. A luz que ele emitia tornava claro e simples um caminho em meio a confusão de vida que ela era. Por que ela também se escondia de si e do mundo. Ela se escondia em meio a sorrisos, cores e alegrias. Juntos eles brincariam de esconder e se mostrar, revelavam partes de si mesmo aos esconderem-se. Já não importava a brincadeira, pois eles tocavam e viam a verdade do mundo.


Brincando, eles se esconderam no coração um do outro. 

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