Palavras sem destino



Eai meu velho, como tá? Eu não sou bom em datas então não me culpe pelo dia estranho e aleatório que te enviarei isso.

Imagino que deve estar descansando, bem tranquilo em baixo da árvore que tu tanto gostava, com aquele laguinho, que mais parecia uma poça gigante de  água, cujos peixes se escondiam de todos, menos de você e do pão que tu jogava para eles. 


Naquele lugar calmo, sempre te vi observando a vida ao redor e a cidade ao longe. Teus pensamentos me pareciam simples e profundos. Não que você compartilhasse eles, pois guardava cada fiapo de seu raciocínio embaixo de seu chapéu, boina ou outro nome qualquer que tu chamava. Eu orgulhosamente seguia seus passos e apenas observava seu olhar e nele via a toda a calmaria do mundo. Ali daquele lugar simples, tu podia ver o mundo girar, o tempo escorrer, a vida seguir. Toda a vida segue, inclusive a tua...

Por vezes penso que tudo é besteira, que tu não tá tranquilo, não tá calmo, não tá, não é, não mais... Não me importa onde tua consciência, alma, espírito, energia ou como queira chamar, não me importa onde isso que é você agora, está. O que me importa é que você não tá aqui. Eu não posso te tocar, não posso discutir, não posso conversar, eu não posso te explicar pela milionésima vez o que faço e que o futuro é incerto e por isso lindo e por isso meu e por isso eu iria ficar bem, eu não posso nem ao menos me calar enquanto tu falava da TV e do cinema e de outras tantas formas de viver que tu tinha imaginado para mim e inclusive eu não posso te ver, mesmo que tu me veja.

Aliás se tu ta me vendo aí sim irei ficar bravo. Não por tu me acompanhar, me observar de longe,  como tantas vezes antes já fizestes, como se olhasse a cidade e o mundo do lado daquela árvore. O que me enlouquece é não poder sentar ao teu lado e ver teus olhos cansados, calmos, preocupados, atentos...

Já não posso mais decifrar teu olhar, já não posso mais conversar besteiras sérias, já não posso mais... Mas prefiro acreditar em você e na sua teimosia e compreensão e modo de ver a vida seguir e sei que não importa o que o você é ou se observa a vida, o mundo, tua mulher, teus filho, teus netos, e entre eles, teu artista inquieto e indeciso e com futuro incerto. O que importa é que... O que importa? Acho que nada o importa...

Se tu não é presença,
Será sempre memória
Sei que te amo.
Sinto tua falta.
Só queria um abraço.

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