Náufrago Navegador: Primeira carta

Um homem de nome comum e de comum aparência navega pelo mar. Vê o mundo passar e passa pelo mundo vendo o que se passa. Ele nota cada detalhe de tudo que vê, desde o degrade perfeito e simétrico que há no anoitecer em pleno mar até a cadência torrencial na mais furiosa tempestade. De tanto viajar decide se perde no mundo e não mais entrar no mundo dos homens, prefere viver no mundo do mundo. Assim vive até que seu tempo tenha fim. Não se sabe se morreu, não se sabe como sobreviveu, o que se sabe é apenas o que seus registros nos permite saber. Aqui estão algumas anotações encontradas em garrafas pelo mundo.

“Me sinto navegando um barco de solidão com velas de lamúrias no meio de um mar de vida. Me banho todo dia neste mar e sinto que ele me completa, mas sei que tenho o pequeno barco como morada nas noites cálidas. E no barco deito na cama feita de isolamento e me cubro de vazio e choro de sofrimento.
Me faz falta um rosto meigo, um braço delicado que me ajude a conduzir este barco de solidão para portos mais seguros e festivos. Sempre olho o mapa de meu coração e vejo os sete mares de sentimentos pelos quais navego. Parece que não há saída desse mar de tristeza, não vejo o farol dos olhos de ninguém ou se vejo, não me permito me guiar por ele. Por medo de viver, de sofrer, de amar, de errar, de magoar... Sou o meu próprio algoz, sou a vítima e o carrasco. Sou o torturador e o torturado. Não me aproximo de faróis de esperança, por me achar impuro, injusto, ingrato, intragável. E sou assim porque assim me vejo.
Se minha memória não me traí, hoje é dia de São Valentim. Não que isso tenha importância, mas olho ao meu redor e inexplicavelmente sinto o olhar se perder no horizonte e trazer as lágrimas para a vida. Nesta data infame e estúpida, sinto o vazio do vazio de mim e me sinto infame e estúpido. Sinto um louco delírio de uma tarde solitária...

E cá estou eu neste dia lamentável. Sinto a solidão no ar que entra em meus pulmões. Sinto que sozinho estou nessa guerra contra mim mesmo. Sou soldado ferido na guerra interminável. Sou marujo cego no deserto. Sou filósofo sem raciocínio. Sou guerreiro sem espada. Sou homem sem amor. Sou recipiente vazio. Sou perfume sem cheiro. Sou incompleto por não me permitir ser fraco....
Não ousem entender ou sentir comoção, são apenas trocas de palavras de uma louca tarde de delírios solitários de um louco solitário numa tarde delirante. Não se permitam ser como eu, não fujam da vida, encarem e vivam. Pois neste maldito dia, sinto a falta de coração quente para aquecer meu peito frio...”


Se descobrir mais algo sobre ele, passarei para vocês. Acho que ele gostaria disso... Pois o homem se vai, mas suas palavras permanecem...

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