Angústia


Meu corpo e minha mente sentem a madrugada presente a um incontável tempo, mas ela me acompanha a apenas algumas voltas do relógio. O corpo cansado sente o peso do esforço. A mente calejada afasta o sono que se aproxima e me toca levemente, acaricia o rosto, afaga os olhos. Ele deseja que eu me perca no mundo dos sonhos, onde tudo é fluido nada é sólido.

“Ainda não. Só mais um pouco”

Aumento o volume da música. Ela é companheira nessas horas. Penetra em minha alma e abre um caminho para as palavras. Sua melodia gera colisões de pensamentos e a energia liberada por esse choque faz meu braço se mover. Escrevo versos. Escrevo frases. Escrevo e exponho tudo o que está trancado em meu peito.

Nessa noite inquieta, trago comigo a angústia guardada em uma garrafa, da qual bebo aos poucos. Consumo e me deixo consumir pelo liquido viscoso e amargo que a garrafa retêm. Após horas de trabalho no texto que tanto quis escrever, que irá tirar do coração o grito que surge nas madrugadas sem fim e ecoa dentro do vazio no peito. Esse grito que se esvai a cada gole e a cada palavra.

Leio o que escrevi. Errado. Ainda não é isso. Vejo as palavras inúteis, eu as apago. Elas somem, enquanto o liquido daquela garrafa imunda se perde dentro de mim. Vou apagando o trabalho de horas, mas de que vale essas horas, se no peito, o grito é mais alto que o bater do coração?

O texto se transforma em frases. Apago as banalidades. Sorrio das besteiras. Penso um pouco em certas partes, sorvo o conteúdo da garrafa e elas as apago também. Sinto o líquido quente queimar a hipocrisia de em minha boca. A cabeça se torna clara e a garrafa já está na metade. O tempo escorre até o sol nascer. Já não tenho ansiedade na garrafa, nem no corpo. A exterminei ao ser exterminado por ela. A claridade está no dia e em mim. O texto se resumiu em simples palavras, jogadas ao ar, mas cravadas no peito. Bastou uma simples frase.
Enfim o sono pesado. O corpo leve. A garrafa vazia. O peito em silêncio.

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