Saída


O menino olha atentamente. O homem que ele respeitou durante toda a sua vida, está a sua frente. Ajoelhado ao mundo, cego aos fatos, surdo as opiniões. Embriagado.
Mostra a decadência da idade, das frustrações, dos medos, dos anseios. Fica claro que os anos modificaram seus pensamentos. As palavras que os outros venenosamente falam, marcam. As que ele timidamente diz, passam.
O equilíbrio deixa aos poucos o homem e o que ele julga ser seu ponto de apoio, é vazio. O cabelo desgrenhado, a cabeça baixa, os olhos opacos, os movimentos imprecisos, os gestos cambaleantes. Não há mais volta. Não poderá mais vê-lo sem lembrar-se desse momento.
O jovem parado. Observa. Quase ri de nervoso e da situação tragicômica. Não o faz, apenas ouve palavras que o condenam. O esboço de sorriso se esvai. Os olhos e a boca se abrem, estarrecidos. O medo e descrença cobrem todo o seu corpo. Paralisado. Indefeso. Acompanha com o olhar a mão se erguendo. Sabe o que virá a seguir, sabe onde ela irá descer. Não tenta fugir, suas pernas não se movem. Não tenta defender, seus braços não reagem. Não tenta revidar, os ensinamentos dele não o deixam.
A pancada no rosto o joga ao chão. O punho faz muito mais que isso, não só lhe fere a face, mas a alma. Retira dela toda a inocência, todo o passado feliz, todo o futuro de sorrisos. Rosto marcado, punhos fechados. A mão se abre, o corpo reage, a raiva passa, a dor fica.
Ele se ergue e olha a alma daquele que antes era o respeito, a moral, um lugar seguro. Vê somente fraqueza. Um respeito destruído, uma moral covarde, um lugar aos pedaços. Nos olhos sem lágrimas, há indiferença. No coração sem amor, há apatia. No rosto sem sorriso, há tristeza.
O homem já satisfeito se vai. Deixa o menino. Dá as costas a ele. A cama é o refúgio que procura. Lá dormirá o sono dos bêbados, onde tudo no mundo gira num balé distorcido e sem sentido. Agora só resta fechar os olhos, ignorar, quem sabe até esquecer o que aconteceu e se entregar ao sono.
Ele tem essa escolha, mas o jovem não. Lembrará de tudo. Sem pensar duas vezes, vai para a rua. Olha o céu. Em breve deixará a casa para sempre, já não pode suportar aquele falso amor, aquela falsa afeição. Nada será o mesmo daqui pra frente. Não se prenderá aos sorrisos do passado, nem à esperança de um futuro agradável, nem aos compromissos, nem ao respeito. Isso tudo ficou para trás. Aquela casa já não é mais sua.

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